BRUNO RIOS FACA, PALAVRA E OUTRAS
COISAS PARA LAMBER

MOSTRAS BDMG CULTURAL CICLO 2022
— 28 ABR A 05 JUN 2022

FACA, PALAVRA
E OUTRAS COISAS
PARA LAMBER

 

POR POLLYANA QUINTELLA

Riscar como quem deriva, não como quem escreve. Ou escrever como quem desenha – rabisca. Um traçado é também uma trilha, um caminho percorrido. O risco difere do signo, no sentido de que é uma marca, um rastro deixado justamente pela parte ausente daquilo que significa. Todo signo presente é, portanto, necessariamente composto de traços de uma ausência definidora. A boca que abre e fecha – a que diz e enuncia – é a mesma que engole, lambe e mastiga; estranha máquina que põe os sentidos de pé enquanto tritura e destrói outras formas. Nesta exposição de Bruno Rios, vemos um conjunto de obras que transmitem algo sobre a natureza da linguagem que está geralmente obliterado pela mensagem verbal. Como seria possível evocar a escrita e ao mesmo tempo se distanciar dela? Como, simultaneamente, nomear e expandir os limites negociáveis do possível?

Em “Faca, palavra e outras coisas para lamber”, série protagonista da mostra, percorremos uma escrita repleta de arranhões entre o signo e o traço mudo, entre a iminência de uma forma significante e a expressão gestual. Em alguns casos, não há sequer palavras reconhecíveis, antes traçados (como escritas pré-letradas da infância) que buscam se espraiar sobre a escuridão de seu suporte – talvez sejam como sussurros, balbucios, gagueiras, segredos inscritos que nos convidam a estabelecer leituras outras a partir de resistências implícitas. Noutros, há versos mais expressos, palavras que se chocam segundo apelos sinestésicos e contrastantes. Trata-se de uma interação constante entre a produção de reconhecimento (familiaridade) e desconhecimento (falha e subversão da própria ideia de significação). Forjada essencialmente na gravura, tal escrita é ainda o negativo de seu próprio gesto, produto da falta e do vazio, corte na superfície, espécie de duplo falho do real; sombra, reflexo errante, espelho opaco: imagem que aponta o reconhecimento de si própria num outro, sublinhando o aspecto de “presença ausente” que estrutura a compreensão que temos da linguagem. Sua condição fragmentada faz lembrar ainda a profusão de recados e vozes inscritas em negociação com o espaço público da rua, seus muros e superfícies profanáveis – livro infinito por excelência. Na medida em que opera entre o desejo de erigir sentido e produzir sua própria dissolução, esta série nos leva a encarar o texto do mundo na condição de sua frágil legibilidade, rememorando que linguagem também é, antes de tudo, plasticidade e desenho.

As operações conceituais que aproximam gravura e linguagem também podem ser notadas aqui mesmo em obras de distintas materialidades. Em ‘Braba’, são murros e pontapés que imprimem o gesto sobre a argila, já em ‘SMACK’, a evocação do beijo nos leva a encarar o objeto como carimbo, apesar do contraste semântico e material entre o batom e a pedra. Em ambos, importa o caráter indicial que estrutura a obra, também reforçado pelos títulos que nos levam a imaginar a ação sobre estas substâncias, fazendo lembrar a fisicalidade da mão. Há ainda outros dois casos que valem o comentário: ‘Toco’, cuja superfície do tronco, além de inteiramente coberta de nanquim, apresenta um risco produzido através da incisão de uma goiva, sendo a um só tempo escultura, matriz de gravura e papel primevo; fazendo coincidir suporte e produto final. Vazio por dentro, o toco torna-se ainda oco, pura exterioridade já anunciada pela própria palavra. Já em ‘Pupa’, um longuíssimo fio de barbante é inteiramente enrolado sobre um suporte de madeira, aproximando a escrita da materialidade do fio. Lembremos que a palavra texto vem de textere que, em latim, significa tecer. Toda escrita é, em primeira instância, um entrelaçamento de fios; costura.

Por distintos percursos, essas são obras interessadas em desafiar as estruturas convencionais da linguagem, à procura de expandir nossos modos de escrever o mundo e a nós mesmos. Se não é possível existir fora da linguagem, é através dela que sofisticamos uma imaginação que permite organizar o real, testar modos de viver e sonhar coletivamente, ontem e hoje. Bruno Rios forja uma escrita para além dos significados pois tudo aqui está dotado de presença. Seus riscos brancos iluminam o céu da gravura como se traduzissem a teimosia de um gesto que resiste à escuridão iminente. Eles acendem e apagam, sobem e descem… como no pulsar de um organismo vivo.

———

Pollyana Quintella é pesquisadora, curadora e crítica cultural. Graduada em História da Arte pela EBA-UFRJ (2015), é mestre pelo PPGAV-UERJ (2018) com pesquisa sobre o crítico Mário Pedrosa e doutoranda pelo PPGHA-UERJ. Foi colaboradora do Museu de Arte do Rio (MAR) na área de pesquisa e curadoria entre 2018 e 2020. Escreve para diversos periódicos culturais como Revista Select, Revista ZUM, Revista Continente, Revista ArteBrasileiros!, Revista Pessoa, Jornal Folha de São Paulo, Jornal O Globo, Revista Philos, entre outros. Foi curadora adjunta da exposição FARSA – Língua, Fratura, Ficção: Brasil-Portugal, (SESC Pompeia, 2020-2021) e curadora de A Máquina Lírica, na galeria Luisa Strina (2021).

  • VISTA GERAL

  • TOCO

    2022
    Nanquim e incisão de goiva sobre tronco de madeira oco
    57x 20 x 20 cm

  • PUPA

    2021
    Barbante enrolado sobre pau roliço de madeira
    110x 20 x 20 cm

  • SUSPIROS

    2022
    Cimento branco
    Dimensões variáveis

  • ECO

    2021
    Vídeo, 3’00”

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • BOITATÁ

    2021
    Fio de aço e cerâmica terracota queimada
    Dimensões variáveis

  • VISTA GERAL

  • VISTA GERAL

  • VISTA GERAL

  • VISTA GERAL

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura e monotipia sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura e monotipia sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura e monotipia sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • VISTA GERAL

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura e monotipia sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SMACK

    2018
    Batom labial vermelho sobre paralelepípedo para calçadas.
    10 x 11 x 20 cm

  • EXERCÍCIOS

    2022
    Fio de algodão
    Dimensões variáveis

  • EXERCÍCIOS

    2022
    Fio de algodão
    Dimensões variáveis

  • BRABA

    2021
    Nanquim sobre tronco de madeira, aço zincado e cerâmica terracota
    73 x 30 x 11 cm

  • ELÃ

    2020
    Vídeo, 6’39”

  • VISTA GERAL

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura e monotipia sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura e monotipia sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • SEM TÍTULO

    da série “Faca, palavra e outras coisas para lamber"
    2021
    Xilogravura e monotipia sobre papel mata-borrão
    25 x 35 cm

  • RETRATO DO ARTISTA E VISTA GERAL

BRUNO
RIOS

 

Bruno Rios (Belo Horizonte, 1989) é artista-pesquisador, Mestre em Artes pela UFMG e graduado em Artes Gráficas pela mesma instituição. Trabalha com as mais variadas técnicas, onde conceitualmente se interessa pelas questões relacionadas ao corpo, à paisagem, ao deslocamento, ao jogo, à palavra e ao desenho.

Como artista participou de importantes residências, exposições e publicações. Dentre elas destacam-se: Chão de Passagem (exposição individual no espaço Mamacadela, 2019); Corpo Tangente (exposição individual no Palácio das Artes, 2013); VI e IX Bang – Festival Internacional de Video Arte de Barcelona (Arts Santa Monica-Espanha, 2013 e 2016); I Bienal Universitária (espaço 104, 2012); 11º Spa das Artes (Recife, 2013). Participa ainda da Residência Artística da FAAP (São Paulo, 2020); do Fórum de Fotoperformance (BDMG Cultural, 2019); do Programa de Residências Internacionais do JA.CA (Nova Lima, 2017); da residência Muros: Territórios Compartilhados (Salvador, 2013); do Programa de Residência Jardim do Hermes (São Paulo, 2015) e da Residência da Feira Plana (São Paulo, 2015). Foi indicado ao Prêmio Pipa 2020, premiado na Mostra EBA-UFMG em 2011, na exposição dos finalistas do Prêmio EDP nas Artes no Instituto Tomie Ohtake em 2014 e possui obras no acervo do Museu de Arte da Pampulha.

Email: prumoprumoprumo@gmail.com
Site: www.brunorios.org

 

COORDENADOR ARTES VISUAIS

Érico Grossi

DESIGN

Maria T Morais

COMUNICAÇÃO

Paulo Proença

ESTAGIÁRIO DE COMUNICAÇÃO

Antônio Paiva

IDENTIDADE VISUAL

Rafael Amato

WEBDESIGN

Estúdio Guayabo

DESENVOLVIMENTO WEB

Mr. Wolf

COMISSÃO CICLO DE MOSTRAS 2022

Froiid
Juliana Flores
Rita Lages

TEASER

Lugares do Invisível
— Lucas Morais e Júlia Lage

MONTAGEM

Sérgio Arruda

EXPOGRAFIA

Ivie C. Zappellini

ASSISTENTE DE EXPOGRAFIA

Isis F. Zappellini

CENOTÉCNICA

Oficina.cc

TEXTO CURATORIAL

Pollyana Quintella

LEGENDAGEM DE VÍDEO

Victor Galvão

FOTOGRAFIA

paisagemlava
— Luiza Palhares