POR PEDRO DAVID
Nos deslocamentos diários pelo bairro em constante construção, registro marcas deixadas por inúmeros montes de areia, encostados por pedreiros às paredes em processo. À medida em que avançam suas tarefas construtivas, entre receber o material, guardá-lo para o momento oportuno, e retirá-lo, os vizinhos desenham os morros de Minas em seus muros.
Em outra etapa de suas obras, não é raro escavarem seus lotes, acidentados por natureza, para criarem planos plausíveis à ocupação.
As retro-escavadeiras, instrumentos comuns entre os construtores locais e as gigantescas minas de ferro, também vizinhas, deixam no solo as marcas de suas mordidas. Expõe em paredes, que surgem de seu serviço, as entranhas da terra. Mostra-nos o material cru, bruto fruto da ganância universal, que nos expõe também a frequentes golpes, e é retirado, em escala industrial, logo ali, atrás do morro, do mesmo solo.
Estamos no quadrilátero ferrífero, região de enorme produção de minério de ferro bruto, intensamente urbanizada. Aqui, lote vago vira mina, a olhos vistos.
Penso em Drummond, no Pico do Cauê, e no Pico de Itabirito, e em tantos morros que somem da paisagem para que seja mantida nossa sina colonialista de fonte de recursos primários à metrópole, hoje, ocidente.
“Olhe bem as montanhas…” Estampou Manfredo de Souza Neto em uma seu adesivo de 1974. Drummond o homenageou, em crônica, no ano seguinte: “Porque elas estão acabando.”.
“E agora, José?” Estamos em 2022, e as montanhas continuam a desaparecer. Em seu lugar, a forma negativa, profundas crateras, e as inorgânicas escadas das infames barragens de rejeitos.
Para designar o sofrimento emocional causado pela destruição ambiental em nosso entorno, temos termo específico. Solastalgia, descrito pelo filósofo Glenn Albrecth, é a combinação entre a palavra latina sōlācium (compensação) com a raiz grega -algia (dor).
Porém, ainda não fomos capazes de cunhar limites para a ganância cega que continua a nos escavar.
Esperaremos o final da quarta estrofe, para clamar: “Minas não há mais, José, e agora?”
Salvemos a Serra do Curral.
Desenho de morro
lupa no cromo
cromos na mesa de luz
arrumando negativos
Natural de Santos Dumont – MG, Pedro David (1977) é jornalista, formado pela Puc-Minas em 2001. Cursou pós-graduação em artes plásticas e contemporaneidade na Escola Guignard – UEMG, em 2002.
Dedica-se a interpretar relações entre o homem e seu ambiente, seja natural, rural, ou urbano. Busca, através de figuras de linguagem, como a metáfora e a metonímia, aliar estética, e política para criar diversos formatos de fotografias, vídeos, livros e esculturas. Sua atuação parte de ambientes pessoais e traslada-se física e conceitualmente por diversas esferas da vida contemporânea.
Publicou os livros Homem Pedra (Origem, 2020), 360 Square Meters (Blue Sky Books, 2015), Fase Catarse (Autor – 2008), O Jardim (Funceb, 2012), Rota Raiz (Tempo D’Imagem, 2013) e Paisagem Submersa (Cosac Naify, 2008).
Participa de coleções e museus, como: Art Museum of the Americas – OAS – EUA; Bibliotèque Nacionale de France – França; Museu de Arte do Rio – MAR – RJ ; Coleção Joaquim Paiva – MAM-Rio; Musée du Quai Branly – França; MAM – SP; Museu Nacional da República – DF.
A exposição Mar de Morro conta com parceria da galeria Celma Albuquerque, que representa o artista Pedro David em Belo Horizonte.
Luiz R. Cerqueira
(Artmosphere Fine Art)
Ateliê Baumecker
Sérgio Arruda
Luiza Palhares
Érico Grossi
Froiid
Juliana Flores
Rita Lages
Paulo Proença
Antônio Paiva
Maria T Morais
Rafael Amato
Estúdio Guayabo
Mr. Wolf